sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Avaliação metabólica do vegetariano

Avaliação metabólica do vegetariano -Parte I

No mês de abril apresentei minha dissertação de mestrado com o tema:
"Avaliação do estado metabólico e nutricional de indivíduos vegetarianos e onívoros”. Por ser um tema de interesse da população vegetariana, resolvi escrever na Revista dos Vegetarianos um pouco sobre os resultados desse estudo.
A escolha dos participantes
  Para a captação dos dados, utilizei pacientes atendidos no meu consultório, dentro do que faço diariamente numa avaliação médica nutrológica. Nessa avaliação, verifico o metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, hidratação, oxigenação, assim como dos principais nutrientes que causam impacto quando deficientes em nosso organismo. Associado a isso, é possível também verificar o grau de fadiga, irregularidade de hábitos e ajustes necessários em termos de hábitos, alimentação, atividade física e tratamento medicamentoso (nutrológico ou não).
O grupo estudado foi composto exclusivamente por mulheres, entre 20 e 50 anos (que não estavam grávidas ou amamentando) e com peso adequado para a altura (o que chamamos de eutróficas). O tempo da dieta padrão que seguiam era de, pelo menos, um ano. Elas não utilizavam medicamentos, suplementos ou tinham qualquer doença que influenciava o estado nutricional. Não fumavam, eram sedentárias ou praticavam atividade física, no máximo, três vezes por semana.
O funcionamento da glândula tireóíde e do fígado estava adequado e foi avaliado por meio de exames laboratoriais. Além disso, foram incluídas no estudo apenas as que traziam exames de um laboratório específico, para que não houvesse métodos diferentes sendo usados para as dosagens. Dezoito tipos diferentes de exames de sangue foram coletados e cerca de 32 itens presentes nesses exames foram utilizados para avaliação dos resultados laboratoriais.

Homogeneidade das participantes
Foram avaliadas 59 mulheres (onívoras e vegetarianas). O índice de Massa Corporal (relação do peso com a altura elevada ao quadrado) foi equivalente (cerca de 2kg/m2), assim como a idade (em torno de 33 anos). Pela avaliação da composição corporal, ambos os grupos tiveram distribuição equivalente de gordura corporal e massa magra. Isso tudo quer dizer que o grupo não vegetariano e vegetariano foi bastante homogêneo e muito adequado para comparar as diferenças encontradas em exames laboratoriais, Quando a homogeneidade é tão grande quanto a que encontrei, não é necessária uma amostra enorme de participantes.
RISCO PARA DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Colesterol total e frações
A avaliação dos níveis de colesterol ganhou importância ao ser descoberto que pessoas com níveis elevados tinham maior risco para apresentar obstrução dos vasos sanguíneos por placas de gordura (ateroma), desencadeando o infarto do coração, derrame cerebral, dentre outros desfechos, às vezes, fatais.
É bastante conhecido na literatura científica que os vegetarianos têm níveis de colesterol mais baixos do que os não vegetarianos. Também encontramos esse dado, com redução de 10,4% dos níveis de coiesterol nos vegetarianos avaliados. Vale ressaltar que vegetarianos e não vegetarianos estavam com valores de colesterol dentro do que é considerado normal.
     No entanto, para a avaliação do colesterol, não basta apenas olhar o colesterol total, pois tudo que é total provém da soma das partes. Assim, o colesterol chamado bom” (HDL), o ‘ruim” (LDL) e o VLDL somados resultam o colesterol total.
Assim, temos pessoas com colesterol total elevado com boa relação dessas partes, o que não seria um problema; mas também pessoas com um colesterol total com valores normais, porém com má relação entre as partes, o que pode ser um problema.
Existem índices específicos para verificar a proporção entre o colesterol total, HDL e LDL e é sempre importante, em qualquer dosagem, avaliá-los.
Avaliamos esses índices no estudo e verificamos que vegetarianos e não vegetarianos apresentavam boa proporção dessas frações (partes do colesterol) e sem diferença entre os grupos. Este mesmo dado é encontrado nos estudos científicos publicados.
Assim, é muito provável que a redução da mortalidade por doenças cardiovasculares, bastante conhecida nas populações vegetarianas, não ocorra apenas pela redução dos níveis de colesterol, pois não houve dferenças (assim como mostra a literatura científica), entre as proporções do colesterol total, do HDL e LDL entre vegetarianos e não vegetarianos.
Dessa forma, os benefícios da redução dos níveis de colesterol não traduzem necessariamente redução do risco para doenças cardíovasculares.
Triglicérides
Triglicérides são um tipo de gordura (diferente do colesterol) que pode causar sérios problemas quando elevado. Eles costumam ser mais influenciados pela alimentação do que o colesterol. Excesso de açúcar, gordura e álcool tendem a elevá-lo. Pessoas com uma alimentação sem excessos tendem a ter níveis mais baixos. Há casos de colesterol elevado onde o vilão são os triglicérides. Vegetarianos e não vegetarianos apresentaram níveis de triglicérides semelhantes na literatura científica, e foi isso que encontramos no estudo.
Inflamação
Outro fator associado ao risco de doenças cardiovasculares é o nível de inflamação do organismo. Podemos entender inflamação como uma resposta do corpo frente a uma agressão, culminando em uma resposta bastante complexa de eventos no nosso corpo. Esse tipo de inflamação não é resolvido tomando antiinflamatórios.     
  Sabemos hoje que aterosclerose é uma doença inflamatória crônica, de origem multifatorial decorrente da agressão à parte interna do vaso sanguíneo, favorecendo a         formação de placas de gordura dentro desse vaso. Se essa placa aumenta muito de tamanho, o local que ela irrigava (levava sangue) pode ficar obstruído e o sangue não chega. Assim, o local deixa de receber sangue (oxigênio) e morre. É um exemplo de um infarto cardíaco, por exemplo, onde parte do músculo do coração morre.
Há inúmeros exames de sangue que podem medir a quantidade de inflamação que um indivíduo tem no organismo. Dentre eles, é muito utilizado a chamada Proteína O Reativa Ultrasensível. Essa proteína fica elevada no organismo sempre que há mais inflamação e é bastante utilizada na prática clínica.
Os dados que encontramos foram equivalentes entre os vegetarianos e não vegetarianos. Assim, por esse parâmetro, não houve diferença nos níveis de inflamação entre os grupos, fator que poderia acelerar o surgimento de doenças cardiovasculares.
Homocisteína
É um componente que aumenta no sangue quando há deficiência de alguns nutrientes, especialmente ácido fólico (vitamina B9) e vitamina B12. Sua elevação pode aumentar o risco para doenças cardiovasculares.
Em uma próxima edição contarei com detalhes o que encontramos com relação à vitamina B12 nos grupos, mas adianto agora que os níveis de homocisteína encontrados foram equivalentes, mas com tendência a serem maiores no grupo vegetariano.
Tanto vegetarianos quanto não vegetarianos tinham os níveis de homocisteína dosados acima do que seria o ideal.
Outros dados
A avaliação de outros fatores de risco para doenças cardiovasculares, como a presença de hipertensão arterial, excesso de peso, diabetes e tabagismo, foram todos excluídos na seleção dos pacientes.
Por que vegetarianos têm menor mortalidade por doenças cardiovasculares?
Essa resposta ainda não é clara. Há diversas teorias para isso, mas ainda não temos respostas definitivas.

Extraído da Revista dos Vegetarianos 44
Dr. Eric Slywitch- medico especialista em nutrologia, nutrição enteral e parenteral. Especialista em nutrição vegetariana. Autor dos livros “Alimentação sem carne- Guia prático” e “Virei vegetariano. E agora?”
ericslywitch@yahoo.com.br Este endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email
http://www.alimentacaosemcarne.com.br/

Avaliação metábolica do vegetariano-Parte 2


Na edição anterior da Revista dos Vegetarianos, conversamos sobre os dados referentes ao risco de doenças    cardiovasculares encontrados na minha tese de mestrado, que avaliou o estado metabólico e nutricional de indivíduos vegetarianos e onívoros. Nesta edição, darei continuidade ao tema falando sobre os dados referentes ao metabolismo de carboidratos. 

0 açúcar no sangue
Existem carboidratos de diversos tipos, sendo a glicose um dos seus representantes. Quando comemos qualquer alimento natural que contenha carboidrato, estamos ingerindo glicose (muitas vezes acompanhada de outros carboidratos, como a frutose a lactose). Portanto, comemos glicose ao ingerir açúcar branco, mascavo, demerara, mas também o arroz, milho, trigo, feijões, frutas. O carboidrato que todos eles contém  irá para o sangue e o açúcar no sangue se eleva.
Usamos  popularmente o termo ‘açúcar no sangue”, mas o correto é falar glicose no sangue, ou glicemia. Será esse o termo que utilizarei até o final do texto. Memorize!
Por que deve haver açúcar no sangue?
Podemos considerar que os vasos sanguíneos são as rodovias que transportam diversos produtos para cima e para baixo do nosso corpo. Assim, o sangue vai levar glicose (e outros componentes) para os diversos órgãos para alimentá-los, pois a glicose é um combustível importante para o funcionamento do organismo.
O cérebro, por exemplo, não pode ficar sem glicose. Se a glicose no sangue (glicemia) fica baixa a ponto de comprometer o fornecimento ao cérebro, a pessoa pode entrar em coma.
se a glicemia sobe?
A glicose é importantíssima para o nosso organismo, mas seu excesso é muito nocivo. Quando elevada no sangue por muito tempo ocorrem lesões em várias células do corpo, como as da retina (nos olhos), dos nervos, dos rins... O diabético mal controlado tem uma chance maior de apresentar perda da visão e do funcionamento dos rins em algumas condições específicas, pois nessa doença, o maior desafio é manter a glicemia em valores adequados.
O fato é que a glicemia precisa ser bem controlada no sangue. Quem faz esse controle quando a glicemia aumenta é um hormônio chamado insulina. A insulina é produzida pelo pâncreas sempre que a glicemia é elevada. Após lançada ao sangue, a insulina chega às células do corpo e pede para que elas deixem a glicose entrar, pois é dentro das células que a glicose é utilizada. Assim, a regra é: a glicemia aumenta, a insulina aumenta.
Resposta das células à ação da insulina
Parece bem simples: a glicose aumenta no sangue, o pâncreas produz insulina, as células do corpo atendem ao pedido da insulina deixando a glicose entrar nelas. Mas nem sempre isso ocorre de forma tão simples. Ha situações em que as células não respeitam a insulina e não deixam a glicose entrar facilmente. Isso ocorre frequentemente em obesos, pessoas com Síndrome dos Ovários Policísticos, dentre outros problemas de saúde. Nessa situação, ocorre a maior necessidade de produção de insulina para ajustar a glicemia.
Assim, a glicemia fica normal, mas a custa de maior produção de insulina. Essa condição é chamada de resistência a insulina (ou resistência periférica a ação da insulina). Pessoas com maior  predisposição podem ter perda do funcionamento do pâncreas precocemente, desenvolvendo diabetes. Na resistência à insulina, é corno se o pâncreas estivesse “suando” para dar conta de executar sua função, e por conta disso pede a aposentadoria mais cedo.

Os dados que encontrei
Os pacientes avaliados na minha tese de mestrado tiveram os níveis de glicemia de jejum e insulina no sangue (insulinemia)  dosados e comparados. Lembre-se de que eles têm uma relação de peso com altura adequados e prática equivalente de atividade física, fatores que poderiam trazer alterações nesses valores.
Os exames mostraram claramente que o grupo vegetariano apresenta glicemia de jejum equivalente, ao grupo não vegetariano, mas tem menores níveis de insulina circulante no sangue.
Isso significa que o vegetariano consegue controlar a glicemia com menos insulina, ou seja
com menos esforço e, portanto, com menos necessidade de trabalho do pâncreas. Podemos dizer que o vegetariano tem maior sensibilidade à ação da insulina do que as pessoas não vegetarianas. Esse resultado sugere maior proteção do vegetariano ao desenvolvimento de diabetes. 
O que os estudos internacionais mostram?
 Os estudos publicados demonstram dados equivalentes aos que encontrei: os vegetarianos são mais sensíveis à ação da insulina produzida.
Há inclusive estudos que compararam o efeito da dieta vegetariana estrita e da não vegetariana (desenhada pela  Associação de Diabetes Norte Americana) bem planejadas aplicadas em pessoas diabéticas. Os resultados foram positivos para os dois grupos, mas o que seguiu a dieta vegetariana teve praticamente o dobro da redução de peso, do “colesterol ruim” (LDL) e do uso de medicamentos quando comparada a dieta não vegetariana.
Há estudos que demonstram que as populações não vegetarianas tem o dobro da prevalência de diabetes do que a vegetariana. A dieta vegetariana é efetiva para a prevenção e tratamento de diabetes.

Por que Isso ocorre?                                 .
Há teorias possíveis associadas a vários fatores ligados ao desenvolvimento e controle do diabetes. Um dos fatores é o maior consumo de fibras, comum de ser observado nos vegetarianos. As fibras podem auxiliar na absorção mais lenta do carboidrato da dieta que consumimos, mas também é importante para que o intestino produza um hormônio chamado GLP-1,responsável por auxiliar o controle glicêmico.     Consumir mais ou menos fibras não tem relação direta com ser ou não vegetariano pois depende das escolhas alimentares, mas os vegetarianos costumam ter maior ingestão.
  O tipo de gordura ingerida também pode influenciar no controle da glicemia.
  As gorduras provenientes do reino vegetal tendem a ser mais adequadas para o controle da glicemia do que a de origem animal,
Um ponto muito interessante é com relação ao carboidrato. E comum pensarmos que se comermos mais carboidratos teremos maior glicemia. No entanto, essa correlação não pode ser feita dessa forma especialmente quando o carboidrato é proveniente de alimentos integrais. Na maioria dos estudos que existem verificamos que os vegetarianos ingerem mais carboidrato do que os não vegetarianos. Há estudos, inclusive, em que o planejamento de carboidratos na dieta vegetariana foi superior ao que é preconizado em termos de ingestão de carboidratos e, mesmo assim os vegetarianos mostraram melhor controle de glicemia e menor risco para diabetes.
                                                                                                                                   
COMO POSSO EVITAR 0 DESENVOLVIMENTO DE DIABETES?
As evidências nos estudos do mundo inteiro são claras em demonstrar que a adoção da dieta vegetariana (inclusive ovo-lacto vegetariana)é uma escolha bem acertada.
- Manter o peso adequado com relação à altura é importantíssimo assim corno não deixar aumentar a gordura abdominal.  
Consequentemente, a escolha dos alimentos influencia esse resultado devendo ser evitado tudo o que em excesso traz aumento de peso:doces, frituras, alimentos refinados...
- Mantenha horários regulares e lanches entre as refeições principais, pois essa forma de distribuição alimentar sobrecarrega menos o organismo, do que fazer apenas três grandes refeições.
- A prática regular de atividades físicas auxilia muito o controle da glicemia.
- Trabalhe a redução do estresse, pois ele produz adrenalina, um hormônio que aumenta a glicemia, dentre outros efeitos.
-Utilize alimentos integrais, de preferência em grãos. Não é só o macarrão e pão integral, mas principalmente o arroz integral, milho da espiga, trigo em grão...
- Os feijões são bons alimentos para prevenção e controle do diabetes.
- Mantenha boa ingestão de frutas e verdura
-Quem tem familiares com diabetes deve ficar ainda mais atento a essas recomendações.

Dr.Eric Slywitch- 

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